Tese de doutorado

Entre as décadas de 1960 e 1980, o Cone Sul americano foi lugar de uma transformação profunda na prática e conceitualização da repressão estatal. Tal processo é observado com particular clareza em uma de suas manifestações mais emblemáticas: a tortura sistemática, utilizada como técnica de interrogatório. Trata-se, na realidade, de duas transformações inter-relacionadas e fundamentalmente transnacionais. Nos anos prévios a 1976, todos os países do Cone Sul passaram a ser governados por regimes que viram na tortura supostamente “científica” uma ferramenta imprescindível para a segurança nacional. Ao mesmo tempo, ao largo das décadas de 1970 y 1980, atores chave entre os opositores de essas ditaduras começaram a entender a tortura menos como uma táctica contrarrevolucionária, que tinha de ser vencida política e militarmente, e mais como um crime perpetrado por indivíduos, que deviam ser julgados em foros nacionais e internacionais.

Historiar esta transformação multifacetada representa o objetivo principal da minha tese de doutorado, que traça mudanças importantes na prática e na representação da tortura como tática de contrainsurgência no Cone Sul. Em primer lugar, documenta-se a infraestrutura de adestramento em torturas e outros métodos de interrogatório que entrelaçavam o Brasil, a Argentina, o Uruguai e seus vizinhos. Esta rede de instalações e intercâmbios militares funcionou não apenas através do sistema Condor, mas também por meio de relações bilaterais. Sobre uma base de tácticas locais preexistentes, incorporaram-se técnicas de segurança interna desenvolvidas pelos franceses na Argélia e refinadas pelos estadunidenses com o objetivo de usá-las na Ásia Oriental e na América Latina. Em segundo lugar, examinam-se as transformações no significado social da tortura através de uma análise não apenas de mudanças em seu uso e justificação por parte das forças de segurança, mas também nas tácticas de seus opositores, entre os quais grupos armados, militares dissidentes, advogados exilados e ONGs de direitos humanos.